Prof. Flávio Henrique, Jornal o Centro | São Paulo-SP: Lauro Nunes, o discurso de Lula na abertura da Assembleia Geral da ONU foi direto e emocional, especialmente ao ligar a saúde da democracia ao combate à desigualdade e à fome. Qual o significado dessa abordagem para alguém que acompanha de perto a pauta humanitária?
Lauro Nunes: Professor, o discurso de Lula traz uma verdade incômoda para o establishment global: a pobreza é a crise moral do multilateralismo. O presidente foi cirúrgico ao afirmar que “a pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo”. Isso tira a democracia do campo puramente eleitoral e a coloca no campo dos direitos humanos básicos. Para o ativismo, a frase de que “a única guerra que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza” é um chamado. É a primeira vez em muito tempo que um chefe de Estado usa o púlpito da ONU para dizer que devemos gastar menos com guerras e mais com desenvolvimento.
Prof. Flávio Henrique: Lula não se esquivou de temas tensos, como a crise em Gaza, que ele classificou como um genocídio, e a tensão com os EUA. Essa abordagem incisiva ajuda ou prejudica a posição diplomática do Brasil?
Lauro Nunes: No campo diplomático tradicional, o tom pode soar duro, mas na perspectiva humanitária, é um posicionamento de integridade. O presidente confrontou diretamente a seletividade: ele condenou o Hamas, mas foi inequívoco ao dizer que “nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza”. Isso é fundamental. O Brasil, como voz do Sul Global, está exigindo que as regras humanitárias internacionais valham para todos. Ao apontar a “cumplicidade dos que poderiam evitá-lo”, ele coloca sob escrutínio a falha da ONU e das grandes potências em proteger civis.
Prof. Flávio Henrique: O presidente também propôs a tributação dos super-ricos para financiar a agenda social e destacou a urgência de uma reforma no Conselho de Segurança da ONU. Esses temas têm chance real de avançar?
Lauro Nunes: O avanço é difícil, mas o impacto da proposta é imediato. A ideia de que os super-ricos paguem mais impostos que os trabalhadores toca na ferida do capitalismo global e ganha força em um mundo com desigualdades recordes. Lula está criando uma coalizão moral em torno desses temas. Quanto à reforma da ONU, o discurso foi muito claro: o mundo é multipolar, e para se manter pacífico, precisa ser multilateral, com a voz do Sul Global respeitada. A cobrança por uma reforma do Conselho de Segurança é a condição de credibilidade para que o Brasil compre essa agenda.
Prof. Flávio Henrique: A pauta climática foi um terceiro pilar. Lula classificou a COP 30, em Belém, como a “COP da verdade” e defendeu que a luta contra a mudança do clima é uma questão de justiça, não de caridade. Essa retórica de “justiça climática” é suficiente para forçar a mudança que o planeta precisa?
Lauro Nunes: Essa é a grande aposta do Brasil e está totalmente ligada à pauta humanitária. Dizer que a luta climática é uma questão de justiça é desarmar o argumento de que países em desenvolvimento devem pagar sozinhos pelo passivo ambiental histórico dos países ricos. A retórica é poderosa porque une o clima à dívida histórica. O Brasil está exigindo que as nações ricas honrem seus compromissos e liberem recursos e tecnologia, em vez de simplesmente transferir a responsabilidade para quem tem menos recursos. A proposta de criar o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, para remunerar quem mantém a floresta em pé, e a ideia de um Conselho Climático na ONU são movimentos para mostrar que o Brasil está pronto para ser a solução, mas exige que o sistema global pague a conta da transição. É a soberania ambiental com responsabilidade global.
Prof. Flávio Henrique: Para finalizar, o que o senhor destacaria como o legado mais importante desse discurso para a política externa brasileira?
Jornalista Lauro Nunes