A agricultura, uma das práticas mais antigas da humanidade, vive uma revolução silenciosa, mas profunda. A tradição milenar de agricultores guardarem e replantarem sementes de uma colheita para a próxima foi suprimida por gigantes da biotecnologia. A ascensão de empresas como a Monsanto e sua subsequente aquisição pela Bayer não apenas transformou o mercado, mas levantou questões urgentes sobre propriedade intelectual, a economia dos pequenos produtores e a soberania alimentar.
A Guerra das Patentes: Quando o Gene se Torna Propriedade
O centro da controvérsia reside na propriedade intelectual. Em vez de patentear sementes, empresas de biotecnologia passaram a patentear os genes que inserem nelas. Essa estratégia gerou um vasto campo de batalha judicial. No Brasil, um caso notório no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o REsp 1.610.728, validou a cobrança de royalties sobre sementes transgênicas no país. A decisão, de 2019, estabeleceu um precedente legal, confirmando que as empresas podem proteger suas inovações e cobrar por elas, mesmo que o gene original já seja de domínio público.
Essa imposição legal obrigou agricultores a comprar novos insumos a cada safra, gerando disputas e rompendo com uma tradição milenar.
O Impacto Econômico e a Luta do Pequeno Produtor
Para os pequenos produtores, as consequências foram imediatas. A dependência de um pacote de produtos — sementes patenteadas e herbicidas específicos — aumentou os custos de produção, tornando-os vulneráveis às flutuações de preços impostas pelas grandes corporações.
O uso intensivo de um único herbicida, como o glifosato, também contribuiu para o surgimento de “super-pragas” e ervas daninhas resistentes. Como contraponto, organizações como o Greenpeace e o IDEC levantam a questão da saúde e do meio ambiente. O Relatório “Agricultura Tóxica” do Greenpeace, por exemplo, denuncia o uso excessivo de agrotóxicos. Já o IDEC, com estudos como o “Tem Veneno Nesse Pacote“, alerta para a presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos industrializados, demonstrando o impacto direto no consumidor final.
O Legado da Monsanto nas Mãos da Bayer
Em 2018, a gigante farmacêutica e de saúde Bayer concluiu a polêmica aquisição da Monsanto por US$ 63 bilhões. A motivação ia além da expansão de negócios: a Bayer buscou associar sua marca de saúde aos produtos agrícolas, tentando diluir a imagem negativa da Monsanto.
No entanto, a transação teve um preço alto. A Bayer não comprou apenas os negócios da Monsanto, mas também suas pendências judiciais. A empresa alemã herdou milhares de processos bilionários de pessoas que alegavam que o herbicida Roundup causou câncer, resultando em indenizações gigantescas e em um impacto significativo nas finanças da companhia.
A fusão também levantou alarmes sobre a concentração de mercado, já que uniu duas potências e criou uma das maiores produtoras de sementes e agroquímicos do mundo, intensificando a discussão sobre o futuro da agricultura global e quem, de fato, controla o alimento que chega à nossa mesa.
A Conta Bilionária: O Impacto da Herança da Monsanto nos Cofres da Bayer
O que se seguiu à aquisição foi uma espiral de custos que surpreendeu o mercado financeiro e mergulhou a empresa em uma crise.
A maior parte do problema veio dos processos judiciais nos Estados Unidos, que a Bayer herdou da Monsanto. As indenizações relacionadas ao herbicida Roundup e a alegação de que ele causa câncer se tornaram um fardo financeiro colossal.
- Acordos de Indenização: A Bayer já pagou ou reservou mais de US$ 11 bilhões para resolver a grande maioria dos processos relacionados ao Roundup. No entanto, a empresa continua enfrentando novos casos e julgamentos, como o que resultou em uma condenação de US$ 2,25 bilhões em 2024.
- Perda de Valor de Mercado: A crise jurídica e a incerteza sobre os custos futuros levaram a uma queda drástica no valor das ações da Bayer. Em um período de quatro anos, a empresa perdeu mais de 80% do seu valor de mercado, com a capitalização caindo de mais de 100 bilhões de euros para cerca de 27 bilhões.
- Prejuízos e Previsões: Os litígios forçaram a Bayer a registrar prejuízos bilionários e a revisar para baixo suas previsões financeiras. Em 2024, a empresa propôs pagar apenas o dividendo mínimo aos seus acionistas por três anos, uma medida drástica que evidencia a necessidade de preservar capital para cobrir os custos legais.
O caso da Bayer-Monsanto se tornou um estudo de caso sobre como a análise de risco legal é crucial em fusões e aquisições. A promessa de sinergia entre os negócios de sementes e saúde foi ofuscada pela “herança tóxica” da Monsanto.
Jornalista lauro nunes